Esse ano foi foda. Foda no pior sentido mesmo. Talvez um dos mais difíceis da minha vida. Talvez, não, foi mesmo um dos mais difíceis. Grandes mudanças aconteceram, mudanças pra pior. Venho lutando arduamente contra todas as crenças que me foram impostas desde o dia em que nasci e venho percebendo o quanto isso é difícil – e o quanto eu sou perturbada e limitada em alguns aspectos. Passei a enxergar mais a vida e as pessoas sem aquele véu que insiste em esconder a dura realidade, aquela realidade que não só não gostamos de enxergar, mas que gostaríamos demais que fosse mentira. As pessoas ficaram mais transparentes e nítidas. E elas são horríveis.
Por outro lado, estou aprendendo também a deixar de me importar, coisa que por anos tive uma dificuldade imensa de fazer. E não só deixar de me importar com amigos que somem, mas com pessoas que não sabem segurar o Narciso que habita dentro delas e também com as que não têm a menor noção de como ser uma pessoa decente que vive em sociedade. E deixei, principalmente, de me importar (e de me atingir), com aqueles que deveriam estar ali de braços estendidos, mas que na verdade estão ou por uma obrigação consanguínea, ou por hábito, ou por algum interesse… Ou tudo isso junto.
Deixar de me importar não quer dizer me afastar. Acho admirável, e até inspirador, ver quem consegue cortar completamente o vínculo com pessoas muito próximas, mas que são nocivas. Eu ainda não cheguei nesse nível de evolução. Tenho ainda diversas amarras que foram muito bem atadas durante a minha vida. Outro dia, na sessão de análise, cheguei à conclusão de que se tivesse que escolher uma carta do tarot para me representar nesse momento da vida, essa carta seria o 8 de Espadas. Amarrada, vendada, cercada por espadas, tão frustrada com tudo que não consigo perceber que as vendas e as amarras estão frouxas e as espadas não estão me cercando completamente.
Sinto que estou em um daqueles momentos decisivos. Aqueles momentos na vida em que, de repente, não aguentamos mais e tudo explode e sua vida vira de ponta cabeça. Esse sentimento, ao invés de me trazer alívio ou empolgação pelo novo, só tem me trazido angústia, medo e uma ansiedade devastadora. E me vejo o tempo todo atormentada por inúmeros pensamentos contraditórios. Certezas absolutas e felicidades palpáveis que se tornam inseguranças e dúvidas cruéis em questão de segundos. E isso acontece diversas vezes ao longo dos dias.
Até que semana passada, acho que pela primeira vez em toda a minha vida (Coloquei esse “acho” aí porque vai saber, né? Já aprendi que não posso confiar muito na minha memória), eu passei um dia, duas noites e algumas horas completamente sozinha e sem ter nada pra fazer. E foi estranho perceber isso. Ok, não foi estranho, foi chocante mesmo. Eu nunca tinha ficado sozinha em 46 anos. Quando percebi, estava parada na sala do apartamento vazio da minha melhor amiga (ela tá viajando) sem absolutamente nada para fazer e cercada pelo silêncio.
No primeiro dia foi bizarro demais. A sensação, que não desapareceu muito nos dias seguintes, de que estou deixando de fazer algo importante, de que não estou cumprindo minhas obrigações, de que estou deixando de cuidar de algo.
No fim passei a maior parte do tempo assistindo a Largados & Pelados: A Competição (os concorrentes mais insanos estão participando dessa temporada, boa demais), comendo, tirando tarot e ficando chapada. Não cozinhei, não vi TV (estava quebrada, vi Largados no celular), praticamente não saí, falei com poucos pessoas pelos WhatsApp. Fiquei em silêncio e sem obrigações. Apenas existindo.
Foi legal, eu precisava demais disso, apesar de ter feito só cócegas na minha loucura saúde mental já que foi por pouco tempo. Mas foi bacana pra esfregar bem na minha cara o quanto eu me perdi. Sinto que desapareci no meio de um mundo de obrigações, cuidados, traumas, imposições, cegueira, ilusões… Consigo apenas enxergar o 8 de Espadas. Só que agora vejo aquela mulher começando a balançar o braço pra derrubar aquela corda e levantando o canto da venda deixando um olho enxergar por uma fresta. Espero que ela não sinta medo de prosseguir.
📣 Fica a dica
🥖 How The U.S. Ruined Bread Mini documentário (15 minutos - em inglês), apresentado pelo youtuber e jornalista independente Johnny Harris, que mostra como a invenção do pão de forma industrializado passou por cima da existência das pequenas padarias artesanais e como essa indústria enraizou esse péssimo consumo nas pessoas.
🐖 Lombo ao Leite com Figos Grelhados da Rita Lobo Eu adoraria já ser totalmente vegetariana, mas contrariando minhas vontades e crenças, estou aqui indicando receita de carne de porco. O que me torna flex vegetariana. Que horror de definição. Mas, enfim, já tinha feito essa receita no Natal lá em 2018 e resolvi fazer de novo agora no mesmo feriado. Tô indicando e passando por cima das minhas convicções porque ela é realmente boa.
🖼 Censored Art Takes Over the Walls of a New Museum in Barcelona Em Barcelona (Espanha) foi inaugurado o Museu de L’Art Prohibit dedicado a mostrar obras de arte do mundo todo que de alguma forma foram censuradas, seja pela opinião pública ou por restrições de algum governo.
📷 Luciano Kurk É engraçado, depois de tantos anos se aprofundando em algum assunto sem novos ídolos, quando de repente aparece um que entra para sua lista de favoritos. Esse é o caso do arquiteto argentino Luciano Kurk. Os projetos dele, residenciais na sua maioria, são esplendorosos. Para os apreciadores das linhas retas e do concreto aparente.
Nos últimos anos tenho olhado com um pouco de indiferença pra esse lance de ano que vira, como se uma mão mágica virasse a página do calendário e tudo se transformasse pra melhor. Mas, ao mesmo tempo, acho interessante que pelo menos por um momento no ano podemos nos dar o direito de ter um pouco de esperança de que as coisas vão melhorar.
Feliz ano novo, pessoal! 🥂🍾✨🎉