Até pouco tempo atrás eu era heavy user de redes sociais, principalmente do Twitter. Entrei no Twitter em 2007, logo depois de começar a escrever meu antigo blog, e nos dois primeiros anos eu basicamente só postava o que tava ouvindo no Last.Fm. Foi só em 2009 que passei a twittar pra valer e também a sociabilizar e fazer amigos lá. Afinal, não era pra isso que as redes sociais serviam quando foram lançadas? Eu sei que a ideia real de “sociabilização” do Zucka quando criou o Facebook era caçar mulher, mas vamos ignorar isso aqui e ficar com a ideia de fazer social. E comigo isso funcionou estupidamente bem.
O Twitter era aquela mesa de bar onde você escolhia as pessoas mais bacanas e que tinham mais a ver com você pra bater papo. E era uma delícia, principalmente pra quem tem uma certa dificuldade de interagir com outras pessoas (como eu).
E foram mais de dez anos assim. Interagi e falei com alguns grandes ídolos que me proporcionaram pequenos momentos eufóricos de felicidade e chorei a morte de tantos outros; fiquei sabendo de notícias e grandes acontecimentos no mundo em tempo real ou poucos minutos depois de acontecerem; participei de memes bobos; morri de rir assistindo coletivamente realities shows; comentei vestidos no red carpet de premiações – e xinguei ou vibrei com quem as ganharam; assisti a finais empolgantes de jogos esportivos e acompanhei com milhares de pessoas quatro copas do mundo. E foi lá que conheci alguns dos meus melhores amigos e também meu marido, foi lá que compartilhei tantas coisas pessoais e íntimas com pessoas que estavam ali e me acolheram em vários momentos tão difíceis. A indicação do meu analista (que me acompanha há quase dois anos e que tá revolucionando a minha vida) veio de lá.
E aí o ódio chegou. O ódio no seu formato mais podre dominou o lugar. E as pessoas começaram a ficar amargas e com raiva. Pegaram suas tochas e saíram gritando palavras de ordem e cagando regras sobre tudo. O lugar foi dominado por políticos salafrários que viram ali a oportunidade perfeita para difundirem suas ideologias populistas, escrotas e oportunistas.
A grande pá de cal veio no dia 28 de outubro de 2022, pouco mais de um ano atrás, quando o bilionário mimado e egocêntrico Elon Musk comprou a rede social por puro capricho (e pensar que eu, muitos anos atrás, iludida com as peripécias espaciais da SpaceX, cheguei a achar esse cara incrível… af). Bom, daí por diante foi só ladeira abaixo. O Elon veio pra terminar de destruir o que um dia foi o Twitter, que ele rebatizou de X, e transformou aquele lugar num antro fascista e neoliberal onde todos os seres saídos do esgoto podem ter suas vozes ouvidas e ovacionadas. Acabou o amor, o bar fechou e tacaram fogo na mesa do bar.
Hoje apareço por lá de vez em quando, mas não consigo ficar muito tempo, tenho crise de ansiedade quase toda vez, o mundo é horrível demais visto por ali. Surgiram novas redes tentando tomar esse lugar. Pra mim, a que quase conseguiu foi o Bluesky mas, diferente de 2009, não consigo mais ficar falando pro ar com quase ninguém, esse tipo de interação só funcionou pra mim quando era novidade.
Atualmente acho que a rede social que ainda tenho alguma afinidade é o Instagram. Ali ainda consigo filtrar um pouco o que vejo e uso pra me distrair, mas não chega nem perto de ser a mesma coisa. Isso, além de ser uma rede que foi tomada pela ideia da fama, beleza, sucesso e dinheiro a todo custo. Todos os dias uma overdose de publis, adds e cursos de tudo o que você pode imaginar que prometem te ensinar a conseguir a qualquer custo essas coisas tão ansiosamente desejadas pelas pessoas.
Por isso me considero uma órfã de rede social. Não acredito que vai haver um substituto pro Twitter. Grandes e bem sucedidas redes podem aparecer, mas acho que cada vez mais o ódio, a futilidade, os pensamentos vazios e os vídeos sem propósito algum vão dominar (na verdade, já dominaram) o mundo. Haverá uma revolução um dia? Uma negação de toda essa estupidez? Não sei, mas sou pessimista. Se houver não será para a minha geração. Vemos a sociedade afundar cada dia mais em pensamentos obscuros, valorizando a ganância, a beleza plastificada e marombada, e o individualismo.
Se sinto falta do Twitter de antigamente? Pra caralho. Tanto que ainda não consegui me desvincular totalmente dali. É como se fosse o final daqueles relacionamentos tão incríveis no começo e que, na verdade, vão se mostrando tóxicos e destrutivos, e você sabe que precisa largar e deixar ir, mas é difícil demais. E o que vou fazer em relação a isso? Não faço ideia. Sei que esse dia vai chegar, mas por enquanto vou continuar vagando no meio disso tudo, procurando uns respiros, como aqui no Substack, me lamentando de vez em quando e tentando sobreviver nesse mundo de valores tão equivocados. Boa sorte pra gente.
🎬 Filmes, Séries e coisas que andei assistindo:
👩🦳 Como Viver até os 100: Os Segredos das Zonas Azuis. Eu sou uma pessoa que adoraria viver mais de 100 anos. Apesar dos seres humanos, o mundo é um lugar muito grande e cheio de coisas maravilhosas pra se ver e fazer e quanto mais eu puder viver (bem e saudável, claro) melhor. Nesse documentário dividido em 4 episódios produzido pelo Netflix, Dan Buettner viajou o mundo atrás do segredo da longevidade e descobriu cinco cidades, que ele chamou de Zonas Azuis, onde muitas pessoas vivem ativas e lúcidas por mais de 100 anos. Achei inspirador demais.
📣 Fica a dica
Desde que li Estação Carandiru do Drauzio Varellla logo que foi lançado em 1999, comecei a me interessar pelo tema “encarceramento”, seja em prisões, seja em manicômios. Se você quer entender o quanto o ser humano pode ser cruel, essa é uma ótima forma de enxergar bem isso. O modo como essas instituições são projetadas para torturar, desumanizar e matar uma pessoa com o aval do estado é muito impressionante.
Então, vou indicar aqui dois textos e um livro para quem quer se aprofundar um pouco no assunto (e se chocar também) .
✍Rua das Flores': como era organizado o pavimento gay do Carandiru.
“A "Rua das Flores" era um andar inteiro da Casa de Detenção do Carandiru, que reunia travestis e homossexuais, grupo extremamente respeitado entre os presidiários da Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. As "meninas", como eram chamadas, andavam armadas com facas e dominavam o pavilhão 5, o mais populoso — e também o mais perigoso — do complexo.”
✍Acervo de imagens revela horror das prisões do Rio de Janeiro .
“Infestações por insetos, cadeirante com o pé roído por ratos, banho sobre os próprios excrementos: acervo de colaborador da Defensoria Pública documenta condições dos presídios fluminenses entre 2015 e 2019”
📖 Holocausto Brasileiro: Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil.
“No Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, conhecido apenas por Colônia, ocorreu uma das maiores barbáries da história do Brasil. O centro recebia diariamente, além de pacientes com diagnóstico de doença mental, homossexuais, prostitutas, epiléticos, mães solteiras, meninas problemáticas, mulheres engravidadas pelos patrões, moças que haviam perdido a virgindade antes do casamento, mendigos, alcoólatras, melancólicos, tímidos e todo tipo de gente considerada fora dos padrões sociais.
Essas pessoas foram maltratadas e mortas com o consentimento do Estado, médicos, funcionários e sociedade. Apesar das denúncias feitas a partir da década de 1960, mais de 60 mil internos morreram e um número incontável de vidas foi marcado de maneira irreversível.”
🎨 Google Arts&Culture. Se você gosta, é curioso ou quer aprender sobre arte, esse site do Google, feito com a colaboração de diversos museus pelo mundo, é uma ótima forma de fazer isso sem sair de casa e gastar dinheiro.
💻 Coifa - Histórias de Cozinha. “O Coifa é um boletim semanal de histórias de cozinha. Histórias de cozinha, guias, listas e outros conteúdos sobre comer e beber…”.
📷Instagram
JardimSP Terrários: Por muitos anos trabalhei como arquiteta paisagista e florista, e uma das minhas paixões era produzir terrários. Naquela época, por volta de 2010, não existia quase nada sobre isso e não era muito fácil achar referências e aprender técnicas para a produção. Hoje, além de muito material, algumas pessoas se destacaram nesse meio e uma das principais delas é o Roger Evangelista. Ele faz terrários incríveis e a loja dele em São Paulo parece um portal para um mundo encantado. É autor também do livro Terrários: plantando criatividade e colhendo arte onde ele ensina passo a passo como criar o seu próprio terrário.
* Nessa edição da newsletter resolvi tirar o mês do título já que não tenho conseguido seguir à risca a postagem no fim do mês. Assim me sinto um pouco menos pressionada. Rs
** Ainda não cheguei num formato redondinho dessa newsletter. Então, eu queria pedir pra vocês me enviarem sugestões e/ou críticas, me falando do que vocês gostam, o que vocês acham que não precisa ter, e o que vocês gostariam que eu indicasse aqui. 😊
Te conheci no Twitter após seguir o Rob pelo nickname. E se tornou minha madrinja de casamento.
E saí de lá há alguns meses pra manter minha sanidade mental.
A ironia é ter vindo pra cá e estar amando. Também após uma indicação sua.
Sobre Holocausto brasileiro, o antigo sanatório fica a 1h da casa dos meus pais. O livro dói e a visita in loco por lá também. Mas são necessários.
Curto te ler, Ana. Manda ver. O melhor formato chega com a pratica. Beijo